como a representatividade afeta os relacionamentos de bissexuais
como eu queria só amar uma garota
Me Descobrindo
Esse é um tema que eu tenho guardado há alguns anos para escrever sobre, e o pontapé para que eu começasse hoje foi a pergunta de uma querida no grupinho do substack sobre isso!
Eu não sou a maior fã de rótulos, mas além de que usar bissexual para me descrever facilita o entendimento, a bandeira é linda e eu gosto de me ver nela.
Bissexual é uma orientação romântica e sexual que designa pessoas que se interessam por outros independente de gênero. Na prática, a diferença entre bi e pan é sua história. E não, bissexuais não excluem gêneros além do masc/fem, o Manifesto Bissexual dos anos 90 atesta que o termo foi cunhado antes da designação das outras identidades de gênero.
E se engana quem pensa que bi se refere aos dois: feminino e masculino. Na verdade, é sobre mesmo gênero e outro.
Minha interpretação pessoal interpreta bi como dois ou mais gêneros, por exemplo: me atrair por não binários e mulheres, e não me atrair por homens. Nomenclatura é uma questão de conforto pessoal e se sentir parte de uma comunidade, você não precisa se rotular.
Quando eu tinha treze anos, esse nome me foi apresentado (bem antes do termo pan) e foi como se tudo fizesse sentido. Eu não tinha pensado muito sobre até então, mas eu era apaixonada pela minha melhor amiga (inclusive, feliz aniversário Margarida!!); dei meu primeiro beijo em novembro de 2017, com um garoto, e era a mesma época que eu estava descobrindo meu corpo de maneiras mais íntimas. Ironicamente ou não, eu só pensava em garotas quando me tocava.
Nunca houve uma dúvida, porque eu não pensei tempo demais antes de descobrir o termo que eu me vi por completo.
Em uma noite perto de dezembro, eu me deitei com a minha mãe, encarando o teto, eu pronunciei sem pensar muito: "Mãe, acho que eu sou bi", "Eu acho que é uma fase, mas tudo bem, filha".
E foi isso, cada uma virou pra um lado e dormiu. Não houve perguntas desconfortáveis por uns anos, eu não precisei falar frente a frente com mais ninguém, não é uma forma que eu me apresento, só é parte de mim. Da mesma forma que você não anuncia a cor de seus olhos ao se apresentar.
Minha vó não é super fã da ideia, ela acredita que bissexualidade é intrínseco à não monogamia. Eu estar nos dois espectros (três com o autismo) não tem nada a ver com uma comunidade inteira.
Uma história engraçada que demonstra isso foi em uma época que eu namorava um cara, e uma vizinha minha, muito próxima, estava sempre em casa. Minha vó, super confusa com esse vai e vêm, vira pra minha mãe e pergunta:
— Eu não entendi, ela está namorando a vizinha também?
Acho que isso resume a questão.
Meus Relacionamentos
Um webnamoro que não comentamos sobre; um "namoro" de 1 hora no fundamental; um namoro oficial de três meses e, por fim, o maior arrependimento da minha vida durou dois anos (que nojo).
Todos homens... moleques, para dizer a real.
Por quê?
Porque eu estava acostumada a ver garotas como amigas, a gostar de héteros ou confusas, acostumada ao papel de não ter esforço para flertar com alguém, esperar e nada acontecer.
A única certeza que tenho é que não foi falta de me reconhecer, todos sabiam. Inclusive o arrependimento só fazia drama chorando e criava caso de ciúmes quando eu estava com as minhas amigas sáficas.
O termo sáfico tem seu nome originado da poetiza grega Safo, que viveu em Lesbos por volta de 600 a.C. Safo escrevia poemas sobre o amor entre mulheres, a sociedade e gênero.
É designado para uma mulher que tem interesse em outras mulheres, sem apagar sua sexualidade (bi/pan/lésbica), e também nomeia relacionamento entre duas mulheres sem assumir que são mulheres lésbicas.
Crescendo em uma sociedade em que o relacionamento hétero (entre um homem e uma mulher) é o padrão normalizado, mesmo sendo uma mulher sáfica, eu esqueço de ver mulheres novas na minha vida como potenciais interesses amorosos.
O que quero dizer com isso?
Quando conhecemos um homem, pensamos no quanto essa pessoa nos atraí, o quanto é interessante e até imaginamos um potencial relacionamento dependendo do ambiente que encontramos essa pessoa. Não acontece a mesma coisa quando conhecemos uma mulher, simplesmente porque passamos muito tempo da vida vendo novas mulheres apenas como uma potencial amizade.
E quando digo "nós", me refiro a bissexuais que já conversei sobre. Principalmente pessoas que se encontraram recentemente. E porque essa não é mais minha realidade (porque acho todos os homens que tenho conhecido desinteressantes depois de um tempo), contanto foi um dia.
Como a Representatividade nos Moldou
Eu cresci assistindo príncipes encantados nas animações e interesses românticos masculinos para as personagens dos desenhos que eu me identificava. A construção de "metas de relacionamento" foi feita em cima de uma base heteronormativa.
Talvez um garoto passivo pudesse se enxergar no lugar da princesa, um garoto ativo construiu seu comportamento como parceiro dentro desse padrão, talvez uma garota lésbica soubesse que nada ali te interessava. Isso só posso supor, porque nunca estive na pele de nenhum deles, e não estou tentando dizer que há um homem e uma mulher em relacionamentos queer.
Queer é um termo que abrange a sigla LGBTQIAPN+, já que se refere a pessoas que não se identificam como hétero ou cisgênero (uma pessoa que se identifica com o sexo biológico).
Estou dizendo que essa base de relacionamento é o que nos rodeia enquanto crescemos, tanto em nossos pais quanto na mídia, na maioria dos casos. Quando você cresce vendo casais entre um homem e uma mulher, sua criança procura se encontrar no que está assistindo.
E aí entra meu problema como mulher sáfica.
Eu me vi nessas relações que consumi a vida toda, de maneira que é difícil me ver em uma relação diferente. Porque eu gosto de homens, então, do contrário da visão lésbica e gay, aquilo estava certo para mim, mas não preenchia tudo.
Eu me apaixono por mulheres, me atraio por garotas artistas e introvertidas que conheço, tive uma queda por muitas amigas, mas não me vi em um relacionamento com nenhuma delas.
Não porque não faz parte da minha identidade, mas porque não construí a minha ideia de relacionamento com mulheres.
Eu quero ser a princesa que eu assisti, e todas as vezes era um príncipe do outro lado. Mesmo quando me apaixono por outras princesas, eu não sei como me encaixar nesse relacionamento.
Principalmente porque, até hoje, eu só me atraí por garotas femininas, e sou uma também. Eu não sei como agir, como me confortar quando imagino uma relação que não tem base anterior.
Relacionamentos Sáficos
Por diversas razões, eu me sinto muito mais confortável em ter relações com mulheres hoje em dia. Como já antes mencionado, eu não acho homens tão interessantes assim, e até se criou uma piada entre meus amigos que eu sou lésbica e só não descobri ainda.
Talvez seja, talvez eu só esteja presa à heteronormatividade que me foi uma zona de conforto por anos.
Descobrir o termo "lesbocentrar" me fez chorar, me fez sentir sozinha. Porque eu quero tanto me apaixonar, quero estar com uma pessoa que vai entender o papel feminino na sociedade (isso inclui não binários e pessoas trans também). Não é difícil entender que um homem cisgênero nunca entenderá a profundidade e complexidade da pessoa feminina (em identidade ou biologia).
Lesbocentrar é uma prática entre lésbicas que preferem se relacionar apenas com outras garotas lésbica que cria um paralelo entre pessoas negras que só se relacionam com outras pessoas negras. Já que acreditam ou experienciaram bissexuais que se excluem de lutas por sua "passabilidade", uma vez que também podem entrar em relacionamentos vistos como padrão (entre um homem e uma mulher).
Havia uma necessidade minha de me desvincular dessa construção social heteronormativa, de me rodear de outros estilos de relação em que eu pudesse me libertar, me sentir confortável e lembrar a mim mesma que não precisa ser um príncipe e uma princesa.
Acreditem se quiserem, uma pasta no pinterest fez muito por mim.
Porque agora, todos os dias, eu entro no aplicativo e vejo garotas sendo o suficiente juntas. Eu leio livros, vejo filmes e séries que me dão novas metas de relacionamentos, que me fazem sonhar com uma sáfica do meu lado.
Um Adendo
A representatividade é importante, independente do que se trata.
Ver relacionamentos héteros na tv nunca converteu uma lésbica, ou fez com que eu me atraísse menos por uma garota. Cisgêneros estão em todo lugar e, ainda assim, existem pessoas trans.
Tentar apagar outras identidades dentro da cultura não faz com que essas pessoas parem de existir, apenas as reprime.
Ver um casal sáfico em todo tipo de mídia não faria uma garota hétero gostar de meninas, mas evitaria que olhassem as sáficas com desprezo.
Infelizmente só está disponível em inglês, mas não precisa entender a língua para que o quadrinho "Wingless" mostre a importância de crianças se verem na mídia, não só como indivíduo, mas para toda a sociedade.
Aqui estão os únicos 5 capítulos desse quadrinho independente, que é compreensível mesmo sem entender inglês:
Capítulo 1 | Capítulo 2 | Capítulo 3 | Capítulo 4 | Capítulo 5
eu amo tanto o jeito que você escreve, e o texto, mesmo que eu não saiba apontar direito por quê, me deu vontade de chorar
talvez por identificação
é bem complexo
minha experiência "saindo armário" foi tão tranquila quanto, um dia minha tia adolescente tava fazendo graça perguntou para mim "e tu poli, gosta de homem ou de mulher?" e eu com 9 anos disse "dos dois" (na época não sabia que era lésbica, ela riu, minha mãe deu uma arregalada de olho mas seguiu a vida KKKKKKKK
muito gostoso ser aceita facilmente assim
amei o texto <3